TEXTOS PE.  EDMAR JOSÉ DA SILVA 

 VIGÁRIO PAROQUIAL DA PARÓQUIA DE SANTA EFIGÊNIA - OURO PRETO - MG  



A PESSOA HUMANA PODE PERDER O SEU VALOR? A DIGNIDADE HUMANA PODE SER ANIQUILADA?

          Ao tomar conhecimento do Hino da Campanha da Fraternidade de 2014, composto por Roberto Lima de Souza e selecionado pela CNBB, causou-me estranheza e perplexidade a afirmação contida na terceira estrofe. Colocando em relevo a dramática situação de milhares de pessoas que são vítimas do tráfico humano, o autor afirma: “E quantos chegam a perder a dignidade, sua cidade, a família, o seu valor”. Posteriormente, lendo o texto base, fiquei igualmente assustado com a seguinte afirmação: “o tráfico humano é um crime multifacetado, altamente lucrativo, de baixíssimo custo e de poucos riscos aos traficantes em que a vítima tem a sua dignidade aniquilada, sem ter como enfrentar e lidar com a situação em que foi submetida...” (Texto base, nº 3).  É possível a pessoa humana perder a sua dignidade e o seu valor por ser vítima de uma situação de opressão e exploração? É possível aniquilar (reduzir a nada) a dignidade da pessoa humana? Estou entre os que duvidam disso.
A reflexão que agora apresento não deseja ser uma afronta arrogante ao compositor da canção ou aos autores do texto base da CF 2014. Analisados na sua inteireza, tanto o hino quanto o texto base são preciosos instrumentos para se pensar a questão em pauta: o tráfico humano. Portanto, este artigo é apenas expressão da preocupação e angústia intelectual de um estudioso que acredita que toda antropologia fragmentada ou deturpada pode levar a uma postura ética relativista e a uma eclesiologia desvirtuada.
Como professor de Antropologia Filosófica, tenho feito um percurso árduo e academicamente exigente com os alunos, buscando os fundamentos ontológicos do valor e da dignidade humana, amparado por pensadores da tradição filosófica de cunho personalista. Apesar da complexidade do tema em questão, todo o esforço reflexivo aponta para uma constatação filosófica básica e racionalmente aceitável: a dignidade humana se fundamenta na própria estrutura constitutiva da pessoa humana, é algo inerente à sua própria condição. É em virtude daquilo que diferencia substancialmente a pessoa humana dos demais seres, ou seja, a sua racionalidade, liberdade, interioridade, abertura, consciência, que podemos afirmar que ela possui ontologicamente valor e dignidade. Toda pessoa humana, independentemente do contexto cultural, social, histórico e existencial na qual está inserida, pelo simples fato de ser pessoa humana, já é ser de dignidade e de valor. Assim como não existe mais pessoa ou menos pessoa, também não existe algum ser humano que tenha mais ou menos dignidade. Ser pessoa humana é ter dignidade.
Quando uma pessoa humana é desrespeitada nos seus direitos, explorada, escravizada, injustiçada, desvalorizada ou discriminada, como é o caso da vítima do tráfico humano, isso não significa que perdeu a sua dignidade e o seu valor, na verdade, eles não foram reconhecidos, não foram respeitados, mas ela continua ser de dignidade e de valor. A dignidade humana “não é uma realidade concedida por alguém ou por alguma instituição, seja ela civil ou religiosa. É uma realidade que deve ser reconhecida e respeitada. Pode-se violar, vilipendiar, agredir, atentar contra a dignidade da pessoa humana, mas não roubá-la ou aniquilá-la. Pode-se reconhecê-la e valorizá-la, mas não concedê-la” (SILVA, Edmar José. Provocações éticas. 2ª ed., Mariana: ed. Dom Viçoso, 2014, p. 74).  A pessoa humana possui um valor intrínseco, imanente, que advém da sua própria essência ou natureza. Portanto, ninguém ou nenhuma realidade extrínseca pode roubar ou aniquilar o seu valor e a sua dignidade. Afirmar que uma pessoa perde a dignidade por ser vítima de uma situação social degradante é oferecer munição ideológica para os insensíveis oportunistas que desejam explorá-la ainda mais. É também um perigo, pois pode levar a uma postura objetivante nas relações intersubjetivas.
A reflexão feita até o momento é de cunho filosófico, mas as afirmações contidas no hino e no texto base da CF 2014 merecem também uma consideração na perspectiva teológica.  Na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, na parte I, no capítulo I, no número 12, os padres conciliares evidenciam que a dignidade humana reside no fato do ser humano ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, capaz de conhecer e amar seu criador e estabelecer comunhão fraterna. Portanto, é algo estrutural, dado por Deus, faz parte da condição não somente criatural, mas também filial do ser humano. Também no Catecismo da Igreja Católica, no número 358, encontramos a afirmação: “A dignidade da pessoa humana radica na criação à imagem e semelhança de Deus”. O próprio texto base reconhece que a dignidade humana é uma “qualidade intrínseca e inseparável de todo e qualquer ser humano. Todo indivíduo tem a dignidade de ser pessoa humana somente pelo fato de existir” (Texto-base, nº 228).  A partir destes textos do magistério, podemos afirmar categoricamente que a dignidade e o valor do ser humano são intrínsecos, conaturais à sua condição, foram concedidos por Deus no ato da criação. Portanto, afirmar que uma pessoa humana perde o seu valor e a sua dignidade ou que estas realidades são aniquiladas por causa da exploração a que está submetida, significa afirmar que em virtude de fatores extrínsecos, a pessoa humana deixa de ser criatura especial, perde a sua condição e o seu estatuto ontológico de filho (a) de Deus, o que teologicamente é um absurdo.
No campo jurídico, político e social a reflexão caminha na mesma direção. A Constituição Federal Brasileira (1988), no art. I, inciso III, estabelece que a dignidade é é um dos fundamentos do Estado Democrático de direito e o valor unificador de todos os demais direitos.  Comentando a concepção de dignidade na Constituição brasileira, o doutor em Direito Ingo Wolfgang Sarlet declara: “Temos por dignidade a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado”. Também a ONU, na Declaração dos Direitos Humanos (1948), afirma no artigo I: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (artigo I). Como se percebe, tanto a carta magna que rege a sociedade brasileira, quanto o documento que visa garantir os direitos humanos, reconhecem que a dignidade humana é algo intrínseco, inato e inerente a todo ser humano, portanto, não pode ser relativizado.
Para se falar em valor e dignidade humanos, devemos estar atentos para os princípios que fundamentam a nossa compreensão destas radicais realidades antropológicas. A sociedade atual, ancorada na busca vertiginosa pelo progresso técnico- científico, tende a fundamentar o valor da pessoa humana na sua capacidade produtiva. Quando mais se produz, mais valor a pessoa adquire. Neste sentido, os idosos, doentes, crianças, portadores de deficiência física e mental são considerados pessoas de menos valor, porque não possuem condições de corresponder às expectativas mercantilistas e produtivas do mercado. Existem alguns ainda que tendem a fundamentar a dignidade da pessoa humana a partir da função e da posição social que ela ocupa: quanto mais alta a função e o padrão de vida, mais a pessoa é valorizada e respeitada. Tudo isso é indício de uma concepção empobrecida e deturpada antropologicamente. Por isso, devemos estar atentos na busca de uma fundamentação ontológica e metafísica para o tema da dignidade humana, para não compreendê-lo e tratá-lo ao sabor de fatores sociais, culturais, existenciais ou econômicos. Todos estes fatores interferem no modo como nos relacionamos com a pessoa humana, mas nenhum deles aniquila ou tira o seu valor e a sua dignidade. Portanto, toda pessoa humana, independentemente da sua origem, cor, raça, religião, sexo, idade, estado civil, profissão, condição econômica, situação moral, condição social ou existencial, é ser de valor e dignidade e nada e ninguém pode roubar ou aniquilar esta sua realidade constitutivo- estrutural.
Conclusão: temos que ter cuidado com certas afirmações aparentemente inocentes, mas grávidas de possibilidades antropológicas deturpadas e/ ou destrutivas.
Pe. Edmar José da Silva


ORAÇÃO E AÇÃO: DOIS PILARES DA VIDA CRISTÃ


Oração e ação são duas pilastras que sustentam a espiritualidade cristã e são imprescindíveis para aqueles que desejam ser fiéis ao projeto e à vontade de Jesus Cristo. Se faltar um só desses elementos vitais na vivência cristã, corre-se o risco de reduzir o cristianismo a um mero “espiritualismo” vazio, falso e descompromissado ou a um mero “ativismo” cansativo, estéril e frustrante.
Jesus Cristo, o Mestre de Nazaré, cativou e cultivou dois grandes amores que resumem bem a sua vida: o amor a Deus, manifestado na obediência e confiança inabaláveis em Deus Pai e o amor ao Reino, explicitado em sua ação misericordiosa e solidária junto aos sofredores, excluídos e rejeitados do seu tempo. Todos os cristãos e cristãs, discípulos do Mestre Jesus, devem aprender a segui-Lo de modo criativo, atualizando na própria vida a sua prática e cultivando no coração os seus dois grandes amores. Todos que desejam ser fiéis ao estilo de vida de Jesus, devem aprender a conjugar, de modo equilibrado e verdadeiro, o amor a Deus e o amor aos irmãos, este último traduzido concretamente na prática da misericórdia, da solidariedade e da caridade fraterna. “No seguimento de Jesus Cristo, aprendemos e praticamos as bem-aventuranças do Reino, o estilo de vida do próprio Jesus: seu amor e obediência filial ao Pai, sua compaixão entranhável frente à dor humana, sua proximidade aos pobres e pequenos, sua fidelidade à missão recebida, seu amor serviçal até à doação de sua vida” (Doc. Aparecida, 139).
Na sua primeira carta, o apóstolo João chama a atenção para a necessidade de haver uma unidade essencial entre fé e ação, entre experiência do amor de Deus e compromisso fraterno: “Caríssimos, se Deus nos amou a tal ponto, nós também devemos amar-nos uns aos outros. A Deus, ninguém jamais contemplou. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito” (1 Jo 4, 11-12). Em outro trecho, recordando o Mandamento dado por Cristo, João critica a hipocrisia daqueles que dizem ter fé, mas não se preocupam com as necessidades dos outros: “Se alguém disser ‘amo a Deus’, mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus a quem não vê. E este é o mandamento que dele recebemos: aquele que ama a Deus, ame também seu irmão” (1 Jo 4,20-21). No fim da vida, todos seremos julgados segundo o critério do amor dispensado a Deus e refletido no relacionamento com os irmãos e irmãs.  Não basta professar com a boca que ama a Deus. Deve- se traduzir esta profissão em gestos concretos em prol das pessoas.
A verdadeira fé em Deus, cultivada num relacionamento íntimo com Ele, necessariamente deve impulsionar o ser humano à vivência do amor fraterno. Toda autêntica experiência de Deus, feita na oração perseverante e verdadeira, deve libertá-lo do egoísmo e necessariamente deve transformar o seu coração para melhor, tornando-o semelhante ao coração de Jesus, fonte inesgotável de compaixão e misericórdia. É no amor que todos reconhecerão os discípulos de Jesus (Jo 13,35). Se isso não acontece, deve-se questionar a qualidade da oração feita e a veracidade desta experiência dita “de Deus”.
Termino com as sábias, iluminadoras e provocantes palavras de São Tiago: “Meus irmãos, de que serve alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Pode a fé salvar neste caso? Se um irmão ou irmã não tem com que se vestir e o que comer todos os dias, e um de vós lhe disser ‘ide em paz, aquecei-vos, bom apetite!’ sem porém lhes dar o necessário para sobreviver, de que adiantaria? Do mesmo modo, a fé que não tivesse obras estaria morta no seu isolamento. Com efeito, assim como o corpo, sem respiração, é morto, assim também a fé sem obras, é morta” (Tg 2, 14-17.26). A oração que você faz, tem reflexo no seu modo de tratar as pessoas?

Pe. Edmar José da Silva
Diretor do Seminário de Filosofia
Vigário Paroquial da Paróquia Santa Efigênia





O QUE É ESPIRITUALIDADE CRISTÃ ?



Para se compreender bem o que significa a espiritualidade cristã, deve-se ter clareza a respeito do significam os termos espírito e espiritualidade. A palavra espiritualidade deriva de espírito. E na mentalidade mais comum, espírito se opõe à matéria e são seres imateriais, sem corpo, muito diferentes de nós. Nesse sentido, será espiritual o que não é material, o que não tem corpo. E se dirá que uma pessoa é “espiritual” ou “muito espiritual” se ela vive sem se preocupar com o material, nem sequer com seu próprio corpo, procurando unicamente viver de realidades espirituais. Esta compreensão de espírito e espiritualidade como opostos ao material e ao corporal provem da cultura grega e está baseada numa falsa e reducionista compreensão de ser humano.
 Ao contrário da compreensão anterior, na Bíblia e no mundo cultural semítico (contexto onde Jesus viveu), espírito não se opõe à matéria, nem ao corpo; mas opõe-se à carne (fragilidade do que está destinado à morte) e à lei (a imposição, o medo, o castigo). Neste contexto semântico, espírito significa vida, construção, força, ação, liberdade. O espírito não é algo que está fora da matéria, fora do corpo ou fora da realidade existencial, mas é algo que habita a matéria, o corpo, a realidade e lhes dá vida, enchendo-os de força, movendo-os e impelindo-os. Em hebraico a palavra espírito, ruah, significa vento, respiração, hálito. O espírito é como o vento ligeiro, potente, envolvente e imprevisível. Esta compreensão Bíblica é a mais profunda e mais apropriada para se entender o que é a espiritualidade de uma pessoa, porque está baseada numa visão adequada de ser humano.
Neste sentido, o espírito de uma pessoa é o mais profundo de seu próprio ser, suas motivações últimas, seu ideal, sua utopia, sua paixão, a mística pela qual vive e luta e com a qual contagia os outros.  E espiritualidade é o ideal mais profundo que sustenta uma pessoa nas suas atividades de cada dia e a impulsiona no exercício da sua missão específica, é o horizonte de sentido que orienta o seu fazer e agir.
A partir disso, pode-se compreender a espiritualidade cristã como a espiritualidade do seguimento a Jesus Cristo. Podemos afirmar que vive a espiritualidade cristã, a pessoa que fez uma profunda experiência de encontro pessoal com Jesus Cristo, sentiu-se tocada por Ele e por isso, encontra n’Ele todas as suas motivações, seus impulsos, suas utopias, sua razão para viver, lutar e contagiar as demais pessoas. Como se percebe, a espiritualidade cristã envolve toda a vida da pessoa: suas decisões, suas ações, suas atitudes, seu comportamento, seu modo de enxergar a vida, sua maneira de tratar as pessoas, seu modo de relacionar-se com Deus.
É muito comum as pessoas reduzirem espiritualidade cristã a oração. Partindo da compreensão bíblica de espiritualidade, percebe-se que a espiritualidade cristã não é somente um momento específico de oração, mas é um modo de ser e agir, é um estilo de vida. É verdade que a oração (pessoal ou comunitária) é um momento privilegiado da espiritualidade cristã, porque é na intimidade com Deus que o cristão se reabastece e encontra forças para viver fielmente a sua fé, porém, não se pode reduzir espiritualidade cristã simplesmente à vida de oração. Espiritualidade cristã é oração e ação, é contato com Deus e compromisso com os irmãos, é viver como Jesus viveu. “Espiritualidade cristã não é outra coisa senão viver segundo o Espírito de Cristo, recriar e concretizar na própria existência e numa situação histórica as motivações, as atitudes fundamentais e o comportamento de Jesus”.  
Diante disso, resta-nos perguntar: estamos cultivando verdadeiramente a espiritualidade cristã?
Pe. Edmar José da Silva




FAZER MISSÃO OU SER MISSIONÁRIO?


A conferência de Aparecida colocou em evidência os temas do discipulado e da missão, mostrando que a verdadeira experiência de encontro com Jesus Cristo, necessariamente leva a uma postura missionária. Não é possível ser discípulo de Jesus Cristo sem ser missionário.  A conferência de Aparecida convida toda a Igreja a orientar-se, com decisão e urgência, para a missão. Todo o povo de Deus deve se sentir discípulo missionário de Jesus Cristo, cada um no estado de vida que escolheu e no serviço que lhe foi confiado.
Num passado bem próximo, quando se falava em missão, pensava-se logo num grupo de padres ou religiosas que vinham de outras localidades para movimentar espiritualmente as paróquias e comunidades cristãs. Dentro desta perspectiva, a missão tinha local e dia marcado para começar e terminar. Ser missionário era considerado quase um privilégio espiritual de um pequeno grupo que se sentia previamente preparado para esta tarefa. Hoje, graças a Deus, mudou-se a visão: ser missionário é dar testemunho de Jesus Cristo, é iluminar o mundo com o sabor de Deus, é pregar e viver os valores humanos e cristãos,  é estar a serviço do Reino em todo lugar e em qualquer tempo. Neste sentido, todo cristão batizado é, por natureza, um missionário.
Ampliando o conceito de missão e missionário, ampliou-se também o conceito de terra de missão. Antigamente, quando se falava em missão, pensava-se logo em lugares distantes, desprovidos do primeiro anúncio do Evangelho. Hoje, entendemos que todo lugar é terra de missão e que devemos exercê-la no lugar onde Deus nos colocou. Como afirmou um sábio: “Devemos florescer onde Deus nos plantou”. Evidentemente, muitos homens e mulheres de boa vontade ainda têm a vocação da missão chamada “ad gentes” (lugares distantes e desafiadores), mas a maioria dos cristãos é chamado a fazer missão nos lugares que já receberam o primeiro anúncio, mas que precisam ser reevangelizados.
São muitos os obstáculos que o cristão deve enfrentar para viver como autêntico missionário. Por incrível que pareça, o primeiro obstáculo que deve superar não se encontra fora, mas dentro dele mesmo. Ser missionário significa vencer o egoísmo, o comodismo, o egocentrismo, a tendência a ser o centro de tudo e de todos.  Ser missionário é sair de si mesmo, é ir ao encontro do outro, é colocar-se numa atitude de disponibilidade e serviço, por isso, pressupõe superação de todos aqueles entraves internos já citados, tão difundidos na nossa cultura atual.  
Outro obstáculo que o cristão enfrenta para ser um verdadeiro missionário é a dificuldade para lidar com o imprevisível, com algo que não foi previamente estabelecido e programado. Isso porque ser missionário é exatamente saber lidar com o imprevisível, é livrar-se da programação pré-estabelecida, é abrir-se ao novo, é estar disposto a enfrentar situações antes nunca encontradas, mas que trazem consigo grandes riquezas.  Como se percebe, é ainda um obstáculo interno.
Outros obstáculos estão mais ligados aos aspectos externos, mas que são facilmente contornados. Na perspectiva da fé, quanto mais desafiadora for a realidade da missão, mais enriquecedora será para o missionário. Não raramente encontramos missionários que dão testemunho de dificuldades encontradas na experiência da missão cotidiana que, ao invés de levá-los ao desânimo, pelo contrário, serviram de motivação para continuarem no caminho de seguimento a Jesus Cristo. Estes entenderam que o cristão não apenas faz missão esporadicamente, mas deve ser missionário. Missão não é somente questão de FAZER, mas de SER.


Pe. Edmar José da Silva
Vigário paroquial





Tudo é Graça de Deus!



Estamos chegando ao final de ano. Tempo de revisão, de avaliação, de reconhecimento da presença amorosa de Deus que acompanha a nossa vida e a nossa história.Geralmente, quem trabalha com comércio, antes de iniciar um novo ano de atividades, fecha o estabelecimento durante dois ou três dias para fazer um balanço financeiro do ano que findou. Se o empresário percebe que lucrou com as vendas durante aquele ano, continua investindo nas mesmas táticas de comércio no próximo ano. Se se percebe que o ano foi de prejuízos, traça novas estratégias para que o próximo ano seja mais frutuoso. Mal comparando, podemos dizer que assim também deve ser a nossa vida. Devemos aproveitar o mês de dezembro para fazermos um balanço da nossa caminhada durante o ano. Este balanço não é mais de cunho econômico e financeiro, mas existencial e espiritual. Para isso, devemos reservar momentos de silêncio e de recolhimento para que, diante de Deus, possamos rever o ano que está findando. Ao final desta revisão devemos ter sempre um olhar agradecido a Deus. Tudo de bom que foi conquistado durante o ano, deve ser compreendido como graça e fruto da bondade de Deus. E até mesmo os desafios e sofrimentos enfrentados, devem ser relidos na ótica da fé e encarados como oportunidades de crescimento humano e espiritual. Deus é amor e como tal não é autor dos problemas e desafios que enfrentamos. Porém, ele pode se valer dos nossos sofrimentos e dificuldades para nos fazer mais humanos e menos arrogantes e prepotentes. Ao fazer este balancete espiritual e existencial, se percebemos que este ano foi marcado por prejuízos espirituais (rancores, inimizades, vícios, impaciências, afastamento de Deus), devemos mudar as estratégias no próximo ano. Se percebermos que o ano foi espiritual e existencialmente lucrativo (amor, solidariedade, fé, esperança, fraternidade, oração, confiança maior em Deus), devemos continuar esforçando ainda mais para que o próximo ano produza ainda mais frutos, de acordo com o coração do Cristo.
Podemos afirmar que tanto a vida dos que professam a fé, quanto a vida daqueles que se dizem ateus, é muito parecida. A diferença está no modo de entender os acontecimentos do dia-a-dia. Para quem não têm fé, a vida é vista como sucessão de acasos, de acontecimentos, que não têm nexo entre si. Para os que têm fé, ao contrário, tudo deve ser visto sob a ótica de Deus. E até mesmo aquelas situações aparentemente desafiadoras e sem sentido, adquirem sentido na perspectiva dos que se sentem amados por Deus. Por isso, tudo se torna motivo de agradecimento e reconhecimento da bondade de Deus que não abandona seus filhos, mas os acompanha cotidianamente.
Santo Inácio de Loyola dizia que devemos ver Deus em todas as coisas e ver todas as coisas em Deus. Ao final deste ano, queremos renovar a confiança na presença de Deus que nos ama e nos acompanha sempre. Tudo é graça.
“Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus”

FELIZ ANO NOVO!


Padre Edmar José da Silva
Vigário paroquial







TODOS SOMOS VOCACIONADOS OU VOCACIONADAS



         O mês de agosto é tradicionalmente conhecido na Igreja como mês vocacional ou mês das vocações. Até pouco tempo atrás, quando se falava em vocação, toda a nossa atenção se dirigia para dois grupos de pessoas: os padres e as religiosas. Achava-se que somente os sacerdotes e as ditas “irmãs de caridade” é que obtinham o privilégio especial de receberem um chamado de Deus. Os demais seres humanos não tinham vocação.
Graças a Deus, após o Concílio Vaticano II (1962-1965), que ofereceu uma nova compreensão de Igreja e consequentemente de vocação, chegou-se à conclusão que todos os seres humanos são vocacionados. Vocação significa chamado de Deus e todo ser humano é chamado por Ele à vida, à santidade, a colaborar na difusão do Reino de Deus neste mundo.
O primeiro chamado que Deus nos faz é à existência. A vida é um dom preciosíssimo de Deus, concedido a nós gratuitamente, por amor. Todo ser humano é fruto do transbordamento do amor de Deus. Por intermédio e com a colaboração direta de nossos pais, Ele nos deu este dom mais precioso, fonte e origem de todos os demais dons particulares e possibilidade de futuros outros chamados. Ninguém vem ao mundo a não ser por vontade de Deus. Diz o profeta Isaías que antes de nossos pais pensarem na nossa existência, nosso nome já estava gravado na palma da mão de Deus; ainda no seio de nossa mãe, ele pronunciou o nosso nome (Cf. Is 49,1.16). Portanto, a vocação à vida é um chamado que Deus faz a todos os seus filhos e filhas, criados à sua imagem e semelhança.  
O segundo chamado, Deus nos faz através do nosso batismo. Pelo batismo, nossos pais e padrinhos se dispuseram a nos educar na fé cristã e a nos ajudar a seguir os passos de Jesus Cristo. Depois, através do Sacramento da crisma, manifestamos o nosso desejo de continuar seguindo Jesus Cristo, tendo-O como modelo e razão da nossa vida. Esta vocação pode ser chamada de vocação cristã ou vocação à santidade.

Para São Paulo, a grande vocação do cristão é à santidade. O chamado que Deus nos faz à santidade nos coloca sempre mais no dinamismo do seguimento de Jesus Cristo, de modo muito concreto e vivencial: “Exorto-vos pois (…) que leveis uma vida digna da vocação a qual  fostes chamados, com toda humildade, mansidão e paciência” (Ef 4,1).  Ninguém se torna cristão apenas com palavras ou boas intenções. A vocação cristã está fundamentada na dinâmica do bom samaritano (Lc 10,25-37) que nos ensina a viver a fraternidade, a solidariedade, a doação, a compaixão para com os que sofrem. Assim afirma o Concílio Vaticano II: “É evidente que todos os fiéis cristãos, de qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Por esta santidade, se promove também na sociedade terrestre um modo mais humano de viver” (LG 5, 102).


Com o passar dos anos, cada cristão (ã) vai descobrindo que Deus lhe chama para uma missão específica, de acordo com os dons e aptidões que possui. São as chamadas vocações específicas; dentre elas, podemos destacar:  as vocações  sacerdotal, religiosa, matrimonial, missionária e leiga. Dizia o filósofo Goethe  que “nem todos os caminhos foram feitos para todos os caminhantes”. Na perspectiva da fé cristã, isso equivale a dizer que cada um deve ir descobrindo, por meio da oração e dentro do espírito eclesial, qual o caminho de realização e de serviço que Deus lhe confia. A alguns Deus chama para a consagração da vida através do Ministério ordenado; a outros Ele chama para a consagração à vida religiosa; a outros chama ainda para a doação da vida em família, através do sacramento do matrimônio. A outros Ele confia uma tarefa especial de proclamar a boa nova de Jesus Cristo em terras mais distantes (não obstante, todos devemos ser missionários em nossa própria terra); a outros ainda Ele chama para um serviço específico dentro da Igreja, como a dedicação à catequese, à liturgia, às pastorais, aos movimentos, etc.
Como podemos perceber, todos nós somos vocacionados (as). Por isso, durante este mês de agosto rezaremos uns pelos outros, pedindo a Deus que nos dê a graça da perseverança e do entusiasmo em nossa vocação    

                                                           
Pe. Edmar José da Silva

  Diretor do Seminário de Filosofia(Mariana).

  Vigário paroquial da Paróquia Santa Efigênia (Ouro Preto)



EUCARISTIA: HERANÇA, TESOURO, BANQUETE E REMÉDIO



O sacramento da Eucaristia é fonte e cume de toda vida cristã. Encontramos na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja lindíssimas imagens e expressões que nos ajudam a compreender a beleza, o valor e a atualidade deste misterioso e inesgotável sacramento de amor.
Geralmente, quando alguém pressente que as forças se esvaem e que sua vida neste mundo está findando, chama seus parentes mais próximos para apresentar-lhes o testamento e para dividir entre eles a herança dos bens acumulados durante a existência. Com Jesus Cristo não foi diferente. Pressentindo que “estava chegando a Sua hora, a hora em que ia ser glorificado pelo Pai”, Ele convidou seus amigos mais próximos para uma refeição especial. Durante a ceia, com palavras e gestos, apresentou-lhes o Seu testamento espiritual, cujo ensinamento principal recai sobre os temas do amor gratuito e do serviço generoso. Com o gesto do lava-pés, mostrou para os discípulos qual era o Seu grande sonho para a humanidade: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. (Jo 13, 2-5. 12-15). Grande lição de humildade e amor.
Depois de ritualizar o Seu testamento, quis doar a sua herança mais preciosa, não somente aos seus amigos mais próximos, mas a toda a humanidade, de todos os tempos e lugares.  A Sua herança doada foi Ele mesmo, Seu corpo e sangue. Testamento e herança, serviço amoroso e Eucaristia, duas realidades, um só modo de ser e viver de Jesus ofertado a todos nós. Portanto, para o cristão, não existe herança maior ou tesouro mais precioso do que a Eucaristia, presença duradoura e permanente do Cristo Jesus no meio da humanidade.
Biblicamente, a Eucaristia é comparada com uma refeição solene, banquete sagrado, ceia do Senhor. “Felizes os convidados para a ceia do Senhor!”. Estas imagens nos ajudam a entender o valor supremo deste salutar sacramento. Quando  é convidada para uma festa, um banquete, normalmente a pessoa se prepara externamente para o evento, para se apresentar “bonita” e “bem vestida” diante do dono da festa e demais convidados. Também para a ceia eucarística, o convidado deve se preparar ativamente para participar dessa festa, porém, a preparação não é externa, mas do coração e da vida. Quando se vai a um banquete, supõe-se que o convidado vá se alimentar bem para sair satisfeito da festa. Seria ignorância demasiada ir a um banquete e voltar para  casa faminto. Pois bem: no banquete eucarístico, o cristão é chamado a tomar parte na refeição, a alimentar-se de dois modos: da Palavra de Deus proclamada e do Corpo e Sangue de Cristo distribuídos. Neste sentido, ninguém deve retornar para sua casa sem levar uma mensagem da Palavra de Deus e sem receber o Cristo Eucarístico.



            A Eucaristia foi comparada também a um remédio salutar. Ela é o remédio que cura e previne contra as doenças espirituais, especialmente do vírus do pecado, do egoísmo e da prepotência. Ela é o curativo que sana as feridas do ódio, dos sofrimentos e de situações desafiadoras. A Eucaristia é o remédio que traz alívio, serenidade, força e paz para os sofredores, os desanimados e oprimidos. Participar da Eucaristia, por amor, não por obrigação ou medo, é precaver-se contra as doenças espirituais que nos aprisionam e nos matam lentamente.
Santo Agostinho dizia que “só se ama aquilo que se conhece”. Herança, banquete e remédio salutar são três “imagens” que nos ajudam a conhecer melhor a Eucaristia e, assim, a amá-la ainda mais.
 Padre Edmar José da Silva,
Vigário paroquial de Santa Efigênia




TODOS NÓS SOMOS SACERDOTES!

Aproveitando o clima da festa dos meus 10 anos de vida sacerdotal, realizada no dia 22 de maio de 2011, em Alto Rio Doce, quero refletir neste artigo sobre o sacerdócio comum dos fiéis. Muitos leigos assustam quando se afirma que eles também são sacerdotes, participantes do sacerdócio de Cristo. Por isso, creio que este artigo pode ser muito válido para se compreender melhor esta verdade eclesial.
 A palavra “Sacerdote” significa aquele que oferece um sacrifício ou uma oferta sagrada. No Antigo Testamento, os sacerdotes judeus ofereciam sacrifícios e oblações para obter o perdão dos próprios pecados e pecados do povo. No Novo Testamento Jesus Cristo é considerado o sacerdote da nova e eterna aliança. Ele é o Sumo e eterno Sacerdote porque Se ofereceu a si mesmo no altar e na cruz, perdoando os pecados da humanidade inteira.  Ele é, ao mesmo tempo, o sacerdote e a oferenda. Assim se expressa São Paulo: “Jesus Cristo é o sumo sacerdote de quem tínhamos necessidade: santo, inocente, sem mancha, diferente dos pecadores e elevado acima dos céus. Ele não precisa, como precisavam os outros sumos sacerdotes, oferecer diariamente sacrifícios, antes pelos próprios pecados e depois pelos pecados do povo; porque Ele, oferecendo-se a si mesmo, fez isso uma vez por todas (Hb 7,26-27). Portanto, Jesus Cristo é o único e verdadeiro Sacerdote, todos os demais - bispos, presbíteros e cristãos leigos - apenas participam do sacerdócio de Cristo. r
Os padres e bispos são chamados de sacerdotes porque agem na pessoa do Cristo (Catecismo da Igreja Católica, nº 1548) e oferecem no altar o sacrifício de Cristo, atualizado através da Eucaristia. O sacerdócio dos bispos e padres é chamado de sacerdócio ministerial, pois eles recebem o sacerdócio através do sacramento da ordem e o exercem através de ministérios (serviços) específicos numa congregação, paróquia ou (arqui) diocese.
 Os fiéis leigos, pelo batismo, recebem o sacerdócio comum e se tornam sacerdotes como Cristo. Sendo sacerdotes, a oferta agradável que oferecem a Deus é a sua própria vida. Neste sentido, cada fiel cristão participante do sacerdócio comum, deve oferecer-se a Deus. Os fiéis leigos são participantes do sacerdócio comum de Cristo, na medida em que participam ativamente da Sagrada Liturgia e exercem seu testemunho batismal através de uma vida santa e do exercício da caridade (Catecismo da Igreja Católica,  nºs 1141 e 1273)
O Sacerdócio comum (de todos os batizados) não é inferior ao sacerdócio ministerial (padres e bispos), mas são duas participações no mesmo sacerdócio de Cristo, único e verdadeiro sacerdote. Aliás, o sacerdócio ministerial só existe em função do sacerdócio comum. O sacerdócio dos padres e bispos só tem sentido na medida em que existe uma comunidade e um povo aos quais devem amar e servir. Além disso, pelo batismo, também os padres e bispos são incorporados ao sacerdócio comum dos fiéis e, por isso, devem fazer de suas vidas um sacrifício, uma oferta agradável a Deus, como todo cristão o deve fazer.
Portanto, o povo de Deus é um povo sacerdotal. Assim se pronuncia a igreja a este respeito, no documento Lumen Gentium (luz dos povos), nº 86 “O supremo e eterno sacerdote Jesus Cristo quer continuar seu testemunho e serviço também através dos leigos. (...) Assim todas as suas obras, preces e iniciativas apostólicas, vida conjugal e familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma, se praticados no Espírito, e mesmo os incômodos da vida pacientemente suportados, tornam-se “hóstias espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo (1 Pd 2,5. São os fiéis leigos que exercem o sacerdócio comum, doando a própria vida nas diversas atividades que desempenham no mundo. Portanto, podemos concluir afirmando que pelo batismo todos somos sacerdotes.
Pe. Edmar José da Silva
Vigário Paroquial

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